Portal Trétis – Tudo sobre o Athletico Paranaense

Por Gabriela Saboia e Luana Lopes

 

São tempos de revolução no cenário do futebol. Mais especificamente, do futebol feminino. Depois de 40 anos que a prática deixou de ser proibida entre as mulheres, o esporte nunca esteve em maior evidência. Com a popularização da Copa do Mundo de Futebol Feminino de 2018, as novas normas da CBF e da Conmebol, que obrigam o investimento dos clubes em uma equipe feminina, os grandes times têm se engajado na causa.

 

Em dezembro do ano passado, o Athletico anunciou que formaria um time próprio de mulheres. Em menos de três meses, equipe técnica foi formada, jogadoras foram selecionadas, time montado, clube adaptado, treino iniciado e, agora, estreia na série A2 do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino. Confira aqui como foi o processo de formação da equipe. 

 

No comando deste time, está Vantressa Ferreira (34). Ex-jogadora de clubes como o Foz Cataratas, ela já foi campeã da Copa do Brasil, participou da Seleção Brasileira Universitária, treinou equipes de base e compôs equipe técnica, inclusive, de times masculinos, como o Paraná. Graduada em Educação Física, ela sempre lutou pela causa do futebol feminino, desde que dividia seu tempo entre sua vida pessoal, ser atleta, trabalhar e estudar.

 

Em clima de estreia e com fé no projeto do Athletico, Vantressa deu uma entrevista exclusiva à Trétis. Conversamos sobre o projeto do clube, os desafios e dificuldades do futebol feminino, as expectativas para os jogos e o carinho da torcida. Confira nosso bate papo com a técnica:

 

Como estão sendo os treinamentos com as meninas, qual a expectativa?

 

A expectativa está muito grande. As meninas estão bem ansiosas, mas é uma ansiedade positiva, pelo apelo e carinho que a gente tem recebido da torcida, sem nos conhecer jogando ainda. Então a gente tem que retribuir com um bom futebol, e retribuir todo esse carinho que a gente tem recebido. Acho que elas estão começando a sentir o que é representar o Athletico.  A gente não vê a hora para estrear, porque a gente treina para jogar. A gente estreia fora de casa, contra o Napoli, e depois contamos com toda a equipe na segunda rodada. Vamos estar jogando aqui em casa, e a gente conta com todo esse carinho, essa torcida para vivenciarmos isso dentro de jogo.

 

Qual é o objetivo da equipe, uma possível classificação para série A1 ou a manutenção da série A2?

 

Assim, primeiro ano né? Acho que é um ano de se consolidar, conquistar nosso espaço no clube. O clube nos dá um suporte imenso, mas a gente não pode deixar de pensar que estamos começando. São diversão dificuldades, diversos ajustes. Qualquer campeonato que entramos queremos ganhar, a gente sempre quer ganhar. Mas a gente tem que saber como vamos enfrentar equipes que estão consolidadas há muitos anos. Acho que é um ano de a gente se estruturar e mostrar um bom futebol. Mostrar para os torcedores que temos um grande potencial e muito a evoluir. Mas a gente não pode garantir que num primeiro ano vamos entregar tudo que gostaríamos. Pois é algo feito passo a passo. Entramos plantando hoje para colher o mais rápido possível.

 

Como é a integração com a equipe masculina? Existe uma implantação do mesmo estilo de jogo?

 

É muito bacana, porque eu estou integralmente no clube. Os treinamentos [da equipe feminina] são de noite, mas eu faço parte do corpo técnico do Athletico, e sou a única mulher. A nossa interação é muito rica, pois estamos no mesmo núcleo, e eu  consigo estar observando os treinamentos [da equipe masculina].No início do ano, eu tive um longo período participando das reuniões da equipe de aspirantes, verificando como é feito, analisando como é o modelo de jogo do masculino. E a gente já vem implantando esse modelo no feminino. É muito rico, porque a todo momento a gente tem o Dorival Júnior passando, a gente pode tirar uma dúvida com o Eduardo Barros. O Athletico tem profissionais excepcionais. Na semana passada a gente teve um workshop da apresentação desse modelo de jogo, e eu participei também. Então ter essa troca, ter essa interação com os profissionais que já estão lá há alguns anos e já têm uma vivência maior, é um ambiente muito rico de conhecimento. 

 

Você comentou que o Athletico queria uma técnica mulher. A maioria dos técnicos do futebol feminino ainda são homens. O que isso representa para você? 

 

No mundo do futebol masculino, a maioria dos técnicos são homens, com uma pequena quantidade de mulheres ocupando as categorias de base. No futebol feminino, algumas mulheres estão conseguindo essa posição, estamos conseguindo quebrar essa barreira. Acho que é uma crescente. Com a visibilidade crescendo, oportunidades vão se abrindo para aquelas mulheres que se especializam e buscam esse espaço na equipe técnica. É um mercado que tem aberto muito.

As mulheres que tem capacidade, vontade e que lutam por essa causa tem conquistado esse espaço. Não é porque a gente é mulher que temos que ter esse espaço. Temos que mostrar que temos esse espaço por termos competência. Para mim é um desafio. Sou muito grata pela oportunidade. Para mim é um privilégio poder representar esse projeto novo em um grande clube como o Athletico. Vivenciar isso, “trocar figurinhas” com grandes profissionais do clube é muito enriquecedor. Para mim, que sempre lutei pela causa do futebol feminino, é muito gratificante.

 

O que representa um time como o Athletico ter uma equipe própria?

 

Se tratando do Athletico, não poderia ser diferente. É um clube inovador, um clube que busca essas inovações, e com o futebol feminino já saiu a frente dos outros clubes, sendo o primeiro clube da capital com equipe própria. Eu acho que Curitiba é um celeiro de meninas talentosas, e precisavam de um projeto sério como esse. É um privilégio estar representando o Athletico dentro de um projeto inovador e com o futebol feminino que é minha paixão, é o que eu amo. E eu espero que com o passar do tempo a gente colha muitos frutos e de muitas alegrias para os torcedores, que ano passado foram premiados com títulos.

Então a nossa busca é essa, satisfazer tanto o clube como os torcedores e provar, mostrar para eles que eles não estavam errados na escolha, de ter uma equipe própria organizada, uma equipe bacana, seguindo o modelo de jogo que o clube já tem no masculino e está empregando isso no feminino. Para mim é uma honra estar fazendo isso. 

 

Muitas atletas têm dupla jornada – são jogadoras mas também trabalham em outros empregos. Você fazia isso?

 

Eu fiz muito disso. Hoje a gente tem algumas meninas de Curitiba que ainda trabalham. Não é a maioria, mas algumas têm suas profissões, trabalham em outros locais e a noite – nossos treinos são a noite – vão para os nossos treinamentos. É uma jornada, assim… não é fácil. Você tem que mentalmente estar ligada em dois hemisférios diferentes. Eu vivi isso muito tempo. Eu estudava, fiz minha faculdade, eu treinava e eu trabalhava. Eu não me arrependo em nenhum momento de ter feito isso, porque hoje eu construí um lado profissional meu, fiz pós graduações, tenho minha formação. A não ser quando eu fui para o Foz Cataratas, que eu deixei minha vida profissional, porque eu queria saber o que era estar em função só do futebol, acordar para ir para o treino, dormir pensando no treino, eu queria vivenciar isso. Mas eu nunca quis deixar de estudar. 



Eu acho que é uma etapa, hoje a gente consegue ter uma evolução. Ainda não é da forma financeira que o futebol feminino quer, mas já deu um boom muito grande. A maioria das atletas dos grandes clubes da série A1, não fazem isso. As meninas deixam suas casas, vivem só para os treinamentos e só para os jogos, porque é muito difícil conciliar tudo isso, Alguns clubes da A2 também conseguem fazer isso.



Aqui a gente não pediu para as meninas largarem seus trabalhos, ainda não é nossa real condição. Mas quem sabe amanhã ou depois, como as coisas vêm evoluindo, a gente não possa fazer isso. Mas não é fácil. Não é fácil desligar a chavinha do trabalho, ligar a chavinha do treino… Nós somos seres humanos, a gente é muito ligado ao sentimento. Como a gente desliga a chavinha de briguei no trabalho e fica 100% bem pro treino? Então é um trabalho mental muito grande, mas eu acho gratificante, a gente cresce com isso. A gente é preparado para vivenciar algo maior ou melhor.

 

Além disso, quais os outros desafios do futebol feminino?

 

Ainda é quebrar alguns paradigmas. Às vezes vemos uns comentários, “lugar de mulher não é no campo, mulher não nasceu para jogar futebol”. Isso mudou muito, mas ainda tem algumas pessoas que têm essa visão de que o jogo não é o mesmo, mulher é mais frágil. Mas eu acho que, dentro das nossas fragilidades, das nossas limitações, a gente consegue ver bom futebol, consegue ver meninas jogando em nível altíssimo, gerando mais telespectadores. É um desafio constante para mudarmos essa mentalidade. Já estamos nesse caminho, então é só uma questão de tempo para a gente conseguir mais apoios, mais patrocínios, colocando mais meninas na vitrine do futebol feminino. É uma questão de tempo, mas é gradativo. Tem sido gradativo e vai continuar sendo assim.

 

O que dizer para as meninas que querem ser jogadoras, que têm esse sonho?

 

O que elas pensarem, o que elas imaginarem, não desistir.  Os caminhos são árduos e não é fácil, mas a gente tem que nos preparar para colher algo maior. A luta é constante para qualquer coisa que a gente busca na vida pessoal e profissional. Mas tem que não desistir nas primeiras dificuldades, e visar e se preparar. Não é só olhar lá na frente, “eu quero ser jogadora de futebol”, “eu quero arrumar um cargo”. Eu tenho que me preparar não desistir e persistir.  Então esse é meu recado. Eu estou aqui representando um grande clube, mas passei por várias etapas, várias dificuldades, tropecei nos caminhos, tive acertos, tive erros. Mas a luta não para aqui, a luta é constante, a evolução é constante. Nós mulheres carregamos esse brio de ser aguerridas, e a gente manter essa fibra, porque a gente tem conquistado muita coisa, alcançado espaços profissionais. Não desistir, a luta é constante.  

 

Quer deixar um recado para os torcedores?

 

Acho que agradecer. Agradecer a todo o carinho que os torcedores têm nos dado, mesmo sem conhecer nossas carinhas dentro de campo. E a gente quer retribuir isso, retribuir com bom futebol ao longo desse ano, e agradecer todo o carinho que a gente está tendo. Em nome meu, da comissão e de todas as atletas.